Toda a gente colocou, ou coloca, em algum momento das nossas vidas, perguntas sobre o significado da nossa existência, ou então o sentido da nossa vida perante injustiças ou azares que frequentemente acontecem connosco ou com aqueles que nós amamos. Mas mesmo quando fazemos essa pergunta de um modo mais filosófico, qual seria a importância da nossa espécie no vasto Cosmos, lembro-me sempre de algo que descobri isto no ano passado no blog do Danilo Albergaria, o Pálido Ponto Branco.
A história é simples: em 1990, quando a Voyager 2 passou por Saturno, na sua caminhada para fora do Sistema Solar, o astrónomo americano Carl Sagan (1934-96) pediu para que a NASA tirasse uma foto da Terra vista desse ponto do Sistema Solar, distante a mais de 480 biliões de quilómetros do ponto de partida do satélite, a 16 de Agosto de 1977, fez agora 30 anos. Nesse lugar, a Terra era um pequeno ponto branco, que mal se distinguia dos outros corpos celestes. Vendo isso como um sinal inequívoco da nossa pequenez, decidiu escrever este texto, que até agora considero como o melhor definição de humildade que jamais li.
“A nave está longe de casa. Pensei que seria uma boa ideia que, depois da nave passar por Saturno, ela olhasse uma última vez para a nossa casa. De Saturno, acharia que a nossa Terra seria pouco distinguível, que mal daria para tirar uma foto detalhada. Seria apenas um ponto de luz, um mero pixel, que mal se distinguiria de outros pálidos pontos de luz que a Voyager iria ver. Planetas e sois, próximas ou distantes.
Mas pelo simples facto do nosso mundo ser um ponto de luz no meio de tanta escuridão sideral, valeria a pena tirar tal imagem. Sabe-se desde a Antiguidade Clássica, que filósofos e cientistas acreditam a nossa Terra é um ponto pequeno na vastidão do nosso Cosmos. Mas ninguém tinha visto uma imagem real dessa afirmação. Eis uma primeira oportunidade, e talvez a última durante as décadas seguintes, em tirar tal imagem.
Cá está. Um mosaico de quadradinhos num cenário de estrelas mais distantes. Devido a um reflexo de luz no momento em que se tirou a fotografia, parece que a nossa Terra está “sentada” sobre num raio de luz, parecendo que existe um significado especial em pertencer a esse Universo. Mas é apenas um acaso de geometria e de óptica.
Não há sinal de humanos nesta fotografia. Nem dos nossos feitos em domar a Natureza, nem das nossas máquinas, nem de nós mesmos. Neste ponto de vista, a obsessão pelos nacionalismos não se nota. Somos demasiado pequenos, numa escala de mundos pelos quais os seres humanos são inconsequentes. Uma linha ténue de vida, numa obscura e solitária pedra, feita de rocha e metal.
Olhe de novo para aquele ponto.
É ali.
É a nossa casa.
Somos nós.
Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram alguma vez, vivem ou viveram as suas vidas.
Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas aqueles milhares de religiões, ideologias e doutrinas económicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e cobardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, super - estrelas do Desporto, Líderes Supremos, todos os santos e pecadores da história de nossa espécie viveram ali - num grão de poeira suspenso num raio de sol.
A Terra é um palco muito pequeno numa imensa arena cósmica.
Pensem nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na glória do triunfo supremo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fracção desse ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes dum canto desse pixel contra os habitantes mal distinguíveis de outro canto, nos seus frequentes conflitos, na sua ânsia de recíproca destruição, nos seus ódios ardentes.
As nossas atitudes, a nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, tudo isso é posto em dúvida por este pálido ponto de luz.
O nosso planeta é um pontinho solitário, na grande escuridão cósmica circundante. Na nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que virá alguma ajuda, vindo de outros mundos, que nos salve de nós mesmos.
A Terra é, até agora, o único mundo conhecido que abriga a vida. Não há nenhum outro lugar, pelo menos num futuro próximo, para onde nossa espécie possa emigrar.
Visitar, sim.
Goste-se ou não, neste momento a Terra é a nossa única casa.
Diz-se que a Astronomia é uma experiência que nos forma o carácter e nos ensina a sermos humildes. Talvez não exista melhor comprovação da loucura das vaidades humanas do que esta distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservarmos e amarmos o único lar que conhecemos: o Pálido Ponto Azul.”
6 comentários:
32 anos e dá-lhe para isto. mto novo para crises existenciais, n?
Não é tanto uma crise existencial. É mais um momento de reflexão. Já não tenho propriamente 18 anos...
vou reflectir então...tenho para mim que na imensidão do cosmos e na vastidão do tempo não passamos de obras do acaso, de coincidências, de meras fatalidades. resultamos do fortuito e até das anomalias no universo. quantas supernovas e anãs brancas se sucederam até que se reunissem as condições de criação e subsistência das criaturas que somos nós? quantos átomos se perfilaram, quantas combinações moleculares, quantos núcleos colidiram??? mais não somos o fruto das mutações do próprio universo.
ainda assim, quando me sinto pequena, observo com atenção aos pormenores da natureza e percebo que o céu e o infinito tb fazem parte de mim.
"to see the world in a grain of sand / and heaven in a wild flower / hold infinity in the palm of your hand / and eternity in an hour" (william blake)
ps: eu tb n
Mas a minha ideia quando leio e oiço Sagan e o seu Pálido Ponto Azul, é que não nos detenhamos em nós mesmos, que há um mundo lá fora que deve ser explorado. E já que há um mundo lá fora, também podemos transplantar para nós mesmos. Nâo nos hiperbolizemos a nós próprios, nos nossos egoísmos, enos nossos dramas pessoais, pois há outros lá fora, que vivem dramas pessoais muito maiores. Eu sei que não serve de consolo, nem filosofia barata, mas o que me permitiu sobreviver a esta vida foram duas coisas: o humor e o facto de não levar os meus dramas pessoais muito a sério, pois caso contrário, seria um homem morto.
P.S: se quiseres ver o melhor espelho de quem sou, pensa no "Always Look on The Bright Side of Life", d' A Vida de Brian.
Um dia vou contar aqui, em capítulos, um episódio da minha vida com dez anos. Acho que ficarás com uma ideia de mim...
Olha, à quantos anos não leio nada de C. Sagan, li à muito tempo e sempre gostei do modo como ele ensinava a astronomia para leigos.
Sim...de facto somos pequenos, nós e os nossos dramas, mas de facto é o conjunto deste universo humano pleno de diversidades que faz com que sejamos aquele «Pálido Ponto Azul», por quanto tempo?
Pois....
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