quinta-feira, 31 de julho de 2008

Abel e Natália - O terceiro dia, Parte 1

Terceiro dia. Domingo.


A cama não cabia para três pessoas. Assim sendo, Abel, Natália e Fernanda decidiram improvisar, dormindo no chão, com um cobertor de Inverno a servir de improvável colchão. Mais um lençol branco, de casal por cima, e umas almofadas, e os três dormiram o sono dos justos, depois daquela noite. Quando a luz invadiu a sala, descobriu que Abel e Natália estavam agarrados, juntos, enquanto que Fernanda dormia de lado, virado para Natália. Perto das nove da manhã, Fernanda acordou e viu-os a dormir. Esboçou um sorriso e provavelmente deve ter pensado que pode haver casais felizes com as suas vidas. Levantou-se, e foi buscar o vestido que trazia vestido quando chegou a casa. Depois de o colocar, abaixou-se e com a mão, acordou Natália:

- Chica, vou embora.
- Não queres que nós te levemos?
- Não, eu chamo um táxi.
- Tu chamas um táxi? Neste país estrangeiro? Aqui não é Mardid…
- Deve ser fácil… amanhã vamos juntos, não?
- Acho que sim.
- Antes de irmos para Madrid, quero falar contigo. Aí explico-te muita coisa. Não quero que ele saiba. Perfiro que sejas tu a contá-la.
- O quê?
- Porque quis fazer isto com vocês os dois.
- E porquê o fizeste?
- Porque não queria morrer sem fazer isto.

Fernanda sorriu e não conseguiu evitar que uma lágrima furtiva corresse na cara. Afinal, não era assim tão galdéria como julgavam, tinha sentimentos.

- Sabes, vim cá com o Javi porque queria divertir-me. Mas depois apaixonei-me por ti, como se fosses um homem. Paixão mesmo. Depois conto-te tudo, tá bem. Te quiero, cariño. Posso te beijar mais uma vez?

Dito isto, Fernanda beijou-a longamente na boca, como forma de demonstrar aquilo que sentia. Calçou os sapatos e depois disse:

- Amanhã, antes de partirmos no aeroporto, digo-te tudo que queiras saber, OK? Porque depois de aterrarmos em Barajas, não sei se teremos tempo para nos ver.

Depois, inclinou-se para Abel, profundamente adormecido, onde o beijou na cara. Virou-se para ela e disse:

- Ele até nem é mau de todo… Fez-me suar. Queres um conselho de amiga? Faz-lhe um filho. Aproveita este fim de semana para te engravidar. Já reparei que vocês são um casal feito um para o outro. Amanhã, quero-te grávida, ouviste? Promete-me isso…

Natália não deixou de ficar espantada com tal pedido. Nunca ninguém tinha dito tal coisa, e era algo que não passava pela cabeça há já algum tempo. Hesitou por momentos, mas depois falou:

- É um pouco estranho...
- Tas no período fértil, não estás?
- Não propriamente…
- Quanto tempo te falta?
- Três, quatro dias talvez.
- Tu esgota-o, mas quando me vires no aeroporto, quero-te com um filho dentro de ti. Pensa nisso, chica, disse, ao caminhar-se para a porta.

Fernanda abre a porta, devagarinho, e depois fecha, com Natália atrás, a assegurar que se fazia o menos barulho possível. Depois de ouvir a porta do elevador a fechar-se, caminhou direito para a cama improvisada, deitando-se nela, de frente para as costas de Abel, profundamente adormecido. Natália sentou-se no chão, de pernas cruzadas, pensando na conversa estranha que acabou de ter com ela. Mas também, estranha tinha sido aquela noite… pensava que se iam divertir numa discoteca qualquer, mas acabaram num “menage a trois” com uma quase desconhecida. Pelo menos para os dois. Pôs a mão na cabeça e voltou a deitar-se, com os olhos fixos no tecto, a pensar em tudo que tinha passado…

A seguir, levantou-se e dirigiu-se para a casa de banho. Ligou o chuveiro e a água morna começou a escorrer para cima dela. Passou as mãos pelo corpo, mas de forma quase mecânica, pois a conversa com a argentina Fernanda, por mais que queria, este não saia da sua cabeça. A meio do banho, colocou as mãos no baixo-ventre, e começou a imaginar-se, por gestos, com uma barriga enorme. Lentamente, esboçou um sorriso, e depois virou-se para fora, de sorriso aberto, a continuar o banho.Quando acabou, foi ao armário de Abel para buscar algo dele que pudesse vestir, já que quase não tinha mais nada seu na mala. Viu uma t-shirt vermelha impecavelmente dobrada, tirou-a e vestiu. Depois foi buscar as calças que tinha vestido no dia anterior à tarde, e colocou-as, sem vestir qualquer fio dental. Foi para a cozinha e começou a preparar o pequeno- almoço.Depois de lhe fazer torradas, sumo de laranja e café, voltou para a sala, onde Abel lá estava a dormir. Abanou-o para acordar.

- Bom dia. Dormiu bem?
- Hmmm… Bom dia, disse ensonado. Ela ainda tá aí?
- Não, já se foi embora.
- Oh que pena. Não pude agradecer pela queca que mandamos, eh,eh…
- Quem diria, tu gostaste.
- Estava relutante, não achas? Passei de zero para mais do que um, e esta noite fez-se tudo…
- De facto, é verdade.
- Bom, sempre posso dizer que a minha namorada é bi… afirmou, trocista
- Tá calado, respondeu Natália, batendo-o no ombro. Se fosse bi, estavas a conhecer a minha namorada…

Abel passou a mão por detrás da cabeça, para poder beijá-la prolongadamente. Quando notou que estava molhada, levantou-se e caminhou para a casa de banho:

- Talvez eu também vá tomar um banho. Cheiro às vossas ratinhas…
- Tarado, respondeu, dando uma palmada nas nádegas.
- Uiii… essa doeu, respondeu, caminhando para lá.

Contudo, mal deu dois passos para a frente, reparou numa coisa e voltou:

- Essa t-shirt é minha, não é?
- É sim. Mas tu não tens outras sem ser de carros?
- Tenho, mas não são muitas. Essa comprei on-line, numa loja inglesa que faz esse tipo de t-shirt.
- E já agora, quem é este tipo? Aliás, quem são estes tipos? Disse, esticando-a, para poder ver o desenho.
- Isso? Isso, garota, é o melhor duelo da história da Formula 1. Eu mostro-te.


O caminho foi desviado da casa de banho para o escritório de Abel. Ligou o computador, e colocou-o rapidamente em situação online. Quando assim o fez, Abel, ainda nu, sentou-se no cadeirão de pele que ele tinha à frente da mesa, cheia de papéis acerca das aulas que dava na Universidade, bem como alguns livros. O seu escritório tinha uma enorme estante, que quase chegava ao tecto, cheia de livros em todas as principais línguas europeias, a maioria sobre História do Século XX, polvilhada aqui e ali por outros livros sobre outros assuntos, como Geografia, ou dicionários de línguas e livros de Filosofia. Na parede por detrás dessa mesa, estava um enorme mapa de estradas da Europa, que ia do Atlântico até aos Urais, mostrando o relevo físico, as estradas e as fronteiras entre os vários estados. Ao lado, um pequeno armário envidrado mostrava vários modelos de carros, quase todos de Formula 1, e alguns de Turismos, representando a última metade do século XX. A persiana estivera aberta toda a noite, certamente palco do esquecimento dele, mas naquela noite que passou, e com o calor que se fazia correr com elas era certamente a última coisa que tinha na mente…

Com tudo pronto, Abel ligou-se ao sitio do Youtube e teclou as palavras-chave que lhe permitiam aceder a pequenos clips de filmes, retratando o duelo final do Grande Prémio de França de 1979, entre o Ferrari numero 12 do franco-canadiano Gilles Villeneuve e o Renault do francês René Arnoux. Virou-se para ela e perguntou:

- O teu inglês é bom?
- Sim, compreendo. Tive que saber inglês para entrar na CNN…
- Ah pois. Já me tinha esquecido disso.
- Óptimo, pois os melhores comentários estão em inglês.

Dito isto, carregou no “play” e um dos clips escolhidos arrancou normalmente. Ao longo de quase cinco minutos, mostrou as últimas três voltas dessa corrida, um duelo não pelo primeiro lugar, mas pelo segundo, em que dois pilotos lutavam centímetro a centímetro, com travagens no limite, e toques na parte final da corrida. Natália assistia a aquilo embasbacada, tal como se tivesse sido transplantada para aquele Domingo de 1979, provavelmente ainda era uma criança para além da sua capacidade de compreensão do mundo à sua volta, e se calhar mais interessada em bonecas ou na Heidi, do que ver dois marmanjos a guiar carros potentes como se fossem carrinhos de choque… no final, só conseguia dizer “Fantástico”. Abel levantou-se e foi para a casa de banho, tomar o seu duche matinal. Beijou-a prolongadamente, ao que ela afirmou:

- Fiz o pequeno-almoço. Despacha-te, que depois mostro-te o que andei a fazer na TV.
- Há disso no Youtube? Pensava que a TVE não os colocava.
- Coloca sim.
- Cá, só a TRS, o canal do Estado. Os privados não põem, só colocam nos sites deles. Enfim…

Abel entrou na banheira e ligou o chuveiro. O liquido escorria na cara, e ele passava as suas mãos um pouco pelo corpo, colocando o champô no cabelo e procurando o sabonete, para o colocar no resto do corpo. A meio do banho, virou-se para fora, enquanto que Natália estava na cozinha, comendo as torradas e a beber o sumo de laranja, enquanto lia uma revista. Daí, conseguia ouvir Abel a gritar:

- Queres ir à praia?
- Quê?
- Queres ir à praia à tarde?
- Como?
- Chega cá, que é para me ouvires.

Natália levantou-se e caminhou até à porta da casa de banho. Abel volou a dizer, mais uma vez:

- Queres ir à praia, à tarde, tomar banho de sol e de mar?
- A praia é boa? Já nem me lembro…
- É mais ou menos. Como isto è uma baia, não há ondas. Mas a água não é quente…
- Não importo, como está calor, até vai fazer bem. Só preciso de uma coisa.
- O quê?
- Um fato de banho, não o trouxe.
- Ah é? Isso compra-se. Deve haver umas lojas abertas.
- E não tenho toalha…
- Eu tenho montes delas. Até ganhei uma este mês numa revista. Paguei 10 euros para a ter, mas pronto… olha, é hoje que vou estreá-la.

Abel desligou o chuveiro, e saiu da banheira, buscando por uma toalha para se enxugar. Depois de ter passado um pouco pelo corpo, saiu dali a caminho do quarto, com Natália a segui-lo. Este voltou a calçar a mesma calça que tinha vestido na noite anterior, mas antes tinha colocado um calção de fato de banho, cor negra, que costuma usar na praia. De tronco nu e descalço, foi ter com Natália à cozinha para a abraçar, dizendo.

- Confessa lá, tu até gostaste, não?
- O quê?
- Da noite que passamos.
- Não sei… foi bom, mas como experiência. Nunca fiz a três. E até confesso que receei que seria como no tempo do ex…
- Mas não foi.
- Ainda bem que não. E quero olvidá-lo… err, esquecê-lo de vez.
- E é por isso que queres vir para cá?
- Um pouco isso, sim.

Abel e Natália trocaram carinhos um com o outro. Ele até colocou as mãos por debaixo da t-shirt dela, no sentido de sentir as suas mãos no peito nu dela e apalpá-las. Ela tirou as mãos de lá, e afastou-se. Ele hesitou por um momento, com a cabeça em baixo, pensativo. Depois disparou:

- Queres voltar?
- Como assim?
- Se queres voltar. A namorar, a ficarmos juntos, a quem sabe, ter um filho?
- Ter um filho ainda não, mas o resto… sim, gostava. Mas só venho para cá viver em Setembro ou Outubro.
- Não estás de férias?
- Não. Só em Agosto.
- Então vou ter contigo a Madrid.
- Não vás.
- Então porquê?
- Fico na redacção todo o dia, e depois não tenho tempo para ir sair contigo. Nas férias, viu? Vamos para um sítio qualquer, sem ser em Espanha ou Sildávia. Vamos às ilhas gregas, por exemplo.
- Ou a Cabo Verde.
- Ou à Tunísia.
- Eu tenho o mês todo. E tu?
- Também tenho. Podemos combinar algo depois, encontrar-mos aqui ou em Madrid.
- Mas primeiro, vamos tomar o pequeno-almoço e tentar encontrar uma loja aberta, que vanda fatos de banho que te sirvam. Algo me diz que vamos acabar numa Zara…

(continua amanhã)

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