terça-feira, 17 de junho de 2008

Ricardo e Joana, uma conversa de café

Ricardo estava no café, tomando um saboroso "cappuchinno". Pouco passava das duas da tarde, quando se aproximou uma bela rapariga, cigarro na mão, e sorridente à medida que se aproximava dele. Ele reparou, e levantou-se, largando na mesa o jornal que estava a ler. Deu dois passos e abraçaram-se, pois já não se viam há muito tempo.


- Tás com optimo aspecto, diz Ricardo.
- Tu também! respondeu ela.
- Quanto tempo nós não nos vemos?
- Desde o Natal, presumo.
- Pois, é mesmo muito tempo, respondeu ela.
- Senta-te, disse Ricardo.

Lá se sentaram. A menina chama-se Joana, e ambos foram colegas de Universidade. O destino separou-os, ele foi para Monforte, para dirigir o jornal do seu pai, ela ficou em Coburgo, onde trabalha no canal de televisão do estado, sendo uma das reporteres de serviço quer no jornal da tarde, quer no da noite.

Os minutos passaram, sem eles darem por isso. Joana era bonita, mas não era propriamente uma beleza de capa de revista. Era alta, tão alta como ele, fruto dela ter sido antiga voleibolista, ex-internacional de juniores pela Sildávia. Tinha tentado a Engenharia, mas no final, optou pelo Jornalismo.


- Conta coisas, Ricardo! - disse ela. - sabes, invejo-te o teu cargo.
- Eu herdei-o, Joana - disse ele - o meu pai deu-o quando reformou-se, e só consegui meter mais duas das nossas colegas, a Tita e a Cátia.
- A Tita... recordou, nostálgica. Já tirou os três?
- Ainda não, infelizmente. Andou lá perto, mas não.
- Ah pois... ela contou-me. Já tá melhor?
- Anda. Tenho sempre levá-la para dar umas voltas...
- Umas voltas? Malandreco! afirmou, depois de o interromper.
- Não é nada disso. Apenas me ofereci para "resolver" a situação. E foi quando estavamos no curso, lembras-te?
- E já a viste nua? atirou-se, maquivélica.
- Não, Joana! Credo, tás cada vez mais doida... disse, não deixando escapar um sorriso nos lábios.

A conversa continuou, fluida. Falaram de situações insólitas, de aventuras da profissão, de paradeiros antigos. E a conversa piou fino quando se falou das suas situações amorosas.

- E a prof?
- A prof foi e veio, acabou. É a vida. Vejo-a frequentemente, mas tem muitos afazeres, e agora com a aproximação dos exames, não tem tempo nem para respirar.
- Mas queres voltar?
- Não é uma questão de voltar ou não. Nunca tivemos um compromisso. Nunca fomos formalmente namorados. Nunca apresentei aos meus pais, ou aos pais dela. Simplesmente sabiamos que não tinha futuro.
- E há quanto tempo não quecas?
- Há quase dois anos, respondeu.

Joana abriu a boca de espanto. Pôs a mão na boca e disse, quase em surdina:

-Isso é como se voltasses a ser virgem!

Ricardo estranhou. Não tinha tempo para arrufos, devido ao trabalho, nem tinha espírito de chamar uma "call girl" para satisfazer as suas necessidades básicas. Apenas esvaziava o saco e pronto. Olhou para ela e sorriu:

- Então e tu?

O sorriso dela desapareceu um pouco dos seus lábios. Baixou os olhos para a mesa, e brincou com os óculos escuros com o indicador e o polegar direito. Deu um longo suspiro de declarou:

- Podia ser melhor, mas acho que tou numa encruzilhada
- Porquê?
- Tenho uma pessoa que me quer, mas eu não o quero.
- E já disseste isso?
- Já.
- E o que respondeu?
- Continua a insistir.
- Hã?
- Ricardo, é o meu patrão.
- Hã? Mas o teu patrão é o Rei.
- Não é isso. É o "pivot" da TV.
- Ahhhh...

Ricardo sabia o que era ser a pessoa a mandar sobre outras. Só que ele fazia respeitando as pessoas com quem ele trabalhava, numa base de confiança, sem coagir, intimidar ou mesmo abusar. Naquela pequena redacção de dez pessoas, ele sete jornalistas de dois fotógrafos, para além dos dois paginadores, do comercial, da sectretária e dos demais colaboradores, mas esses pertenciam a um universo mais alargado, havia amizade, mas muito profissionalismo. Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque, não se misturam as duas coisas. Mas parecia que no caso dela, as coisas não eram bem assim.

O que se passava era que, quando entrou na redacção, primeiro como estagiária, é que tinha caido no goto do Director de Informação, que era também o "pivot" do Telejornal, logo, um dos rostos mais conhecidos e mais credíveis da TV sildava. Mas por detrás da aparência, enconde-se uma personalidade diferente. Apesar de ter 43 anos (quase vinte anos mais velha do que ela), tinha um passado de "playboy". Ele olha-as como troféus de caça. Todas as mulheres daquela redacção (e mais algumas) tinham caído nos seus braços. Até se contava que a dramática morte da anterior "pivot", que se atirou da Ponte Felipe II numa noite fria de Dezembro, quase três anos e meio antes, e do escândalo subsequente, quando se soube, não só porque estava casado (e ela também), mas que ela estava grávida dele, aparentemente de dois meses e meio, apenas um ano depois dela ter tido a sua unica filha. A colecção era grande, e incluia, para além da infeliz pivot e das meninas todas da redacção, a mulher de um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, a mulher (e a filha!) de um proeminente banqueiro, algumas "socialites" e a Opah Winfrey do sítio... um engatatão, portanto. E muitas nas barbas da sua então mulher...

Claro, um dia, há um ano atrás, ela fartou-se e pô-lo fora de casa. O escândalo rebentou, pois um fotógrafo de celebridades tirou umas belas "chapas" e no dia seguinte, os tabloides tinham assunto para falar. A sua estrela empalideceu, o divorcio foi capa de revistas "do coração" e de jornais sensacionalistas. Até a Oprah Winfrey do sítio, uma das suas conquistas anteriores, contribuiu para a história, não só convidando a ofendida, mas também a abrir o coração, dizendo a sua história. Foi o fim da macacada!

Contudo, o seu profissionalismo nunca fora posto em causa. Pouco tempo depois, ele voltara a apresentar o Telejornal, com alguma polémica à nistura, era um facto, mas ele afirmara que nunca punha o profissionalismo em causa, e nunca misturava o público com o privado. Mas muitas das suas conquistas eram colegas de redacção... Enfim, neste momento Joana tinha resistido aos seus impetos, como se fosse a irredutível aldeia gaulesa dos ataques impiedosos dos Exércitos de César. Mas por quanto tempo?

- Tu tás a ver toda a gente na redação a dizer-me para que aceite as investidas dele? Como é que eu irei aguentar esta pressão? Tem toda a gente a apoiá-lo, pelo menos os homens. As mulheres apoiam-me.
- Então é por isso que agora apareces mais nos directos?
- Sim, uma boa razão pelo qual me dão os melhores trabalhos é por isso: as visitas de estado, os assuntos da Politica, as entrevistas aos ministros e ao Primeiro Ministro, inaugurações... ele é o Director de Informação, tá-me a dar tudo isto para cair no engodo dele.
- Mas isso não quer dizer nada. És uma boa profissional.
- Mas há mais: tem os ramos de flores que recebo em casa, rosas vermelhas, todos os dias. E os insistentes convites para jantar. O que me vale são as minhas colegas, que tentam sempre manter-me ocupada ao fim de semana. Até já me deu um cachorrinho...
- Isso é engraçado. Que fizeste a ele?
- Dei-o aos meus pais. Não tenho casa nem vida para cuidar de animais.
- Tá bem. Tás mesmo numa encruzilhada, rapariga.
- Pois estou. Sei que sem elas, estaria isolada. Mas não posso alongar muito, pois sei que uma delas anda a contar as coisas a ele e ao grupo dele. E digo-te isto, porque um dia, um dos reporteres de imagem, que era um querido, disse-me que "tens tudo para ser feliz". Achas isso normal?
- Pois... não quero estar na tua pele.
- Pois não. E não sei muito o que fazer. Se disse que sim, tenho a minha carreira lançada, a minha vida feita, um aumento de salário, talvez, mas por outro lado, seria como se tivesse feito um pacto com o Diabo, e não querio acabar como a Viviane Rodrigues, que se atirou do Filipe II só porque a largou quando se soube que a tinha engravidado!
- Mas isso era quando tinha a mulher, respondeu numa voz calma.
- A mulher já me avisou para ter cuidado.
- Já seria de esperar. O que eu hei de fazer?
- Resista até quanto puderes. Sabes que tens aliadas lá dentro, podem-te dar força. Sei lá, dizes que gostas de mulheres...
- Já fez menages a trois com umas colegas minhas. Não serve.

Espantado, Ricardo desabafou:

- Caramba, rapariga, estás mesmo cercada!

Aquela tarde tinha passado rápido para eles. Quando deram por si, já eram seis da tarde, apesar do calor daquela tarde de Junho ainda continuar. Ricardo olhou para o relógio, e sabia que se tinha de por a caminho de volta para Monforte, onde tinha uma casa e uma redacção à sua espera. Aquele seu dia de folga na capital tinha sido uma boa oportunidade de não só sair da atmosfera da redacção, mas também uma chance de retomar velhos amigos, velhas conversas. Mas depois de se despediram, partia preocupado. Descobrira que o segredo do sucesso dela na televisão tinha um motivo mais sinistro. E que o seu futuro dependia de deixar entrar na sua vida (e no seu corpo) um homem conhecido intimamente por não ter escrúpulos, e que qualquer que fosse a sua escolha, o final poderia ser mau para ela, quer em termos profissionais, ou pessoais.

Caminharam juntos por uns metros, até ao final da rua. Chegados a um cruzamento, onde estava também uma entrada do Metro, ela virou-se para ele, e disse que era aqui que apanhava o transporte para casa. Despediram-se com dois beijos na cara, e ela desceu as escadas. Ao vê-la a caminhar para baixo, Ricardo não conseguia deixar de pensar na analogia: parecia que ela estava a caminho do seu Inferno pessoal, de um futuro que podia, se corresse mal, sombrio e infeliz. Deu um longo suspiro e virou costas, desconhecendo quando, e como, é que voltaram a ver-se.

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