terça-feira, 24 de junho de 2008

The New Grand Prix - Capitulo 1, Julho 1969



A noite já tinha acabado de cair. Na varanda, dois casais estavam ainda a aproveitar o calorzinho do dia, antes que a humidade e o frio os envolvessem inapelavelmente. A mesa estava desarrumada, pois tinham acabado de jantar. Um jantar farto, pelo tamanho da panela e pelo ar de satisfação dos convivas. Um deles, visivelmente satisfeito, puxa da sua cigarrilha e começa a fumar, perante uma atmosfera sem vento. À frente dele, uma janela aberta mostrava a iluminação mais ou menos fraca de duas luzes: a de um “abajour” e a da televisão a cores, que transmitia algo que todos estavam ansiosos por sabê-lo.




- Alex, já sabes se já chegaram?
- Não, ainda não. Acho que falta ainda alguns minutos ou coisa assim.
- Acho que a chegada está prevista para as 9 e meia – disse uma voz feminina na mesa.
- Pete, não achas irónico?
- O quê?
- A maior realização da tecnologia americana e tu estás a vê-lo no estrangeiro?
- Não é assim tão irónico. Não estamos na União Soviética…
- AHAHAH… - riu-se Alex – de facto, tens razão.
- Mas estamos na Suiça – esclareceu uma segunda mulher.
- E o Lago Lemán à nossa frente. Brindo a ele – disse Alex, segurando o copo na mão. Brindo ao lago, a nós e aos senhores Armstrong, Aldrin e Collins. Graças a eles, vou assistir a algo único.






Os presentes acompanham-no no brinde. Tchin tchin! Depois de saborear um trago, Alex vira-se para Pete:



- O Beaufort não era para vir?
- Vêm, mas esse cara está atrasado, como sempre.
- Sim, se ele atrasa no casamento, porque ele se iria atrasar para isto? – respondeu uma das mulheres.
- Mas para as corridas, a coisa pia mais fino – respondeu Alex. Não lhe convêm, pronto, porque senão era despedido da sua equipa e depenado no seu país… - concluía, sorrindo.
- Tu és sacaninha – replicou Pete.
- Eu sei, isto é a brincar, pessoal – respondeu.





Os quatro estão a passar bem o seu serão, com um olho atento para a televisão, para saber do momento em que o homem chega à Lua, naquele distante dia 21 de Julho de 1969. Nesse dia, quem poderia imaginar que menos de cinco anos depois, uma daquelas personagens estaria morta?



Mas não nos adiantemos à história. Apresento-os: o mais velho dos quatro é Pete Aaron, o corredor americano da Yomura, campeão do Mundo de 1966, batendo entre outros, Scott Sttodart, seu ex-companheiro na Jordan e seu agora grande rival. Em Monza, eles tinham ganho ao milímetro, mas viram outro rival, Jean-Pierre Sarti, morrer pendurado nas arvores do Autódromo di Monza. Por causa disso, a Ferrari perdia o seu melhor piloto de então. Mas esse era o primeiro dos golpes que o velho Enzo teve que suportar, nos dois anos seguintes. A sua esperança italiana, Piero Barlini, morreria queimado vivo nos destroços do seu carro menos de seis meses depois, no Mónaco. Foi o único momento em que Ferrari quis abandonar a competição, mas continuou. Aaron, depois daquele título, viu Stoddart melhorar e arrebatar os títulos de 1967 e 1968. Agora, Aaron e Stoddart competiam entre si para ver quem seria o melhor.



Ao seu lado, tinha um prodígio de 24 anos, vindo de um país sem tradição automobilística: a Sildávia. Chamava-se Alexandre Moreira, e cumpria o seu primeiro ano de competição. Não tinha feito ainda grande coisa, mas demonstrava potencial, pois aprendia rápido os truques da pista e dos carros. Conseguia afinar tão bem como Aaron, que tinha quase dez anos de experiência de Formula 1, o que tinha deixado espantado. Quando o viu correr no Mónaco, a bordo do Yomura de Formula 2, sabia que tinha talento em potencial. E uma mulher muito bonita.


Na realidade não eram casados. Mas tinham todo o ar de ser. Catarina Weidlinger era de origem alemã, cujos pais tinham fugido trinta anos antes do regime nazi. Tinha uma paixão: a fotografia. A sua beleza natural, cara angelical, sorriso contagiante e grandes olhos azuis, fazia qualquer um não evitar olhar para ela. Mas isso se não a vissem com uma máquina fotográfica à sua frente. A Yomura adoptou-a logo, como fotógrafa (e também cronometrava os tempos de Alex), pois todos gostavam dela, pois para além de ser bela, era simpática e agradável perante todos.



A última pessoa era Angélique. Depois de Sarti, ela ficou com o velho Pete. Casaram-se e acompanhava-o nas corridas, embora com menos frequência. Já tinha visto muitas mortes no seu currículo, especialmente depois de Nino Barlini. Agora, ficava em casa e rezava para que Pete voltasse a casa com o troféu de vencedor… e vivo.



Entretanto, a campainha toca. Angelique levanta-se e vai correr para a porta. Os outros comentam:

- É o Beaufort. Finalmente! – comentou Alex.
- A equipa está completa – retorquiu Pete.



Pierre Charles de Beaufort entra na sala, acompanhado de uma bonita jovem de cabelo escuro. Era a sua mulher. Alex cumprimentou-o e disparou:



- Mon chér, os senhores Armstrong e Aldrin não esperam por si – exclamou Alex.
- Atão, Pete, o chavalo mal chegou à equipa e é o dono do galinheiro? – retorquiu Beaufort.
- Mas ao menos chega a horas – advertiu Pete.
- OK. Desta vez a culpa não é minha. Tivemos um furo – justificou, mostrando as mãos negras pelo facto de ter trocado o pneu furado. Alex repara nisso e corre à casa de banho para lavar as mãos – e não há telefone por perto… vou lavar as mãos. E já agora, chegaram?
- Não, para isso estás adiantado – respondeu Pete.
- O que é um feito, hehehe… - retorquiu Alex, ecoando a sua voz vinda do banheiro.
Pete Aaron repreende-o:
-Alex! Acalma-te.


Alex, vindo da casa de banho a limpar as mãos à toalha, reagiu de imediato.


- Desculpa, é do vinho… por falar nisso, gostaste?
- Oh sim, nem acredito que a tua quinta faça vinhos destes – respondeu, segurando a garrafa na mão – Isto é excelente. Vocês exportam?
- Claro. França, Espanha, Inglaterra… não sei se exportamos para os Estados Unidos. Isso é mais área do meu pai, o Conde…
- E o teu pai sustentou-te a tua carreira?
- Só quando viu o meu talento. A minha sorte foi a garagem do meu tio. Somos todos entusiastas dos automóveis, mas só o meu avô é que competiu, no inicio do século. Depois de acabar, ele foi (e ainda somos) o importador da Mercedes para o meu país. E ganhamos muito dinheiro com isso – afirmou – Mas tive que comprar um Mini Cooper para competir, e correr sob pseudónimo, que era para ele não descobrir. Mas na minha primeira prova que correi, ganhei, e apareci nos jornais do dia seguinte.
- E quantos anos tu tinhas? – perguntou Pete.
- 17. respondeu Alex.
- Como é que aprendeste a conduzir?
- Graças ao meu avô, hahaha… - respondeu, sorrindo - eu e as minhas irmãs aprendemos cedo a conduzir. Antes dos 14 anos andávamos todos no 300 SL do meu avô, a controlar aquele monstro – concluiu, com um certo orgulho.
- Portanto, quando pegaste no Mini, foi fácil – retorquiu Beaufort, que entretanto tinha sentado à mesa.
- Mais ou menos. Era um nervosinho… quando cheguei a casa, levei um raspanete do meu pai, e proibiu-me de guiar até fazer 18 anos e tirar a carta. Mas isso aconteceu três meses depois. Sabes qual foi a minha prenda dos 18 anos? – afirmou.
- Não – Respondem quase todos.
- A minha licença desportiva, oferta do meu avô – responde, orgulhoso. Não sei como, mas conseguiu arranjar isso antes de ter sequer uma carta de condução! - concluiu com um sorriso.
- E eu, que comecei num MG em Peeble Beach, comprado com o meu suor de mecânico… - suspirou Pete.
- O que é um grande feito – respondeu Alex – Ei, também adoro ir sujar-me à oficina e tirar o melhor do carro. Podemos ter sangue azul, mas adoramos o cheiro a gasolina, óleo e borracha queimada – concluiu.
- O puto tem razão. Temos algo em comum: adoramos o que fazemos – disse Beaufort.


Fez-se um momento de silêncio. Angelique e Catarina já tinham tirado os pratos da mesa, e a garrafa de vinho tinto já estava vazia. Logo a seguir, Pete olha para a televisão e vê a plateia a aplaudir, e vai ver o que se passa. Quase imediatamente, Beaufort e Moreira olham para o televisor e quase ao mesmo tempo, dizem:

- Jà chegaram, já chegaram! – gritaram, exaltados. O Homem chegou à Lua, meus amigos.
- Isto merece um brinde, vou buscar copos e uma garrafa de whisky – respondeu Pete, que se dirigiu para o armário das bebidas.

Logo a seguir, Alex e Pierre entraram dentro de casa, e sentaram-se no sofá, bem à frente da TV a cores que mostrava imagens em directo da Lua(ironicamente, a preto e branco...). Todos esperavam para a escotilha abrisse e um dos astronautas descesse a escada para pisar pela primeira vez o solo lunar. Pete começa a servir o whisky aos outros dois, mas quando chegou a vez de Alex, este meteu a mão em cima do copo e disse:


- Não obrigado. Não gosto muito de whisky. Não tens Martini?
- Acho que sim, vou ver – respondeu Pete.


Pierre olhou para ele com um certo trocista e disse:

- És mesmo esquisito. Martini?
- Acho que o whisky sabe mal, que queres? Ao menos Martini, que é doce – retorquiu – e é a bebida do James Bond - concluiu, trocista.


Pete chega com uma garrafa de Martini na mão e deitou o seu conteúdo no copo, mais ou menos até meio. Depois, foi buscar um balde de gelo, para colocar nos copos. Entretanto, o apresentador narra a descrição da nave “Eagle” e dos pormenores dos astronautas da Apollo 11 que poucos dias antes tinham abandonado a Terra, rumo à conquista do satélite deste magnifico planeta azul. Pete senta-se no sofá, e Pierre reeinicia a conversa:

- E com isto, vocês ganham a corrida ao espaço. Parabéns, bateram os russos. Isso merece ser comemorado. Proponho um brinde, meus amigos – afirmou, levantando o copo.

Os outros dois acederam ao brinde e deram um golo. Logo a seguir, as mulheres sentaram-se num outro sofá, de esquina, e estavam todos fixados na televisão, esperando pelo momento em homens pisarão outro mundo, num acontecimento único do século XX.


- Ainda vão falar disto no ano 2000 – afirmou Catarina.
- É esse o objectivo, minha amiga – respondeu Pete.

Logo a seguir, Pete Aaron levantou-se e colocou-se à frente da televisão. Todos começaram imediatamente a protestar, mas ele pôs a mão à frente para se acalmarem, e fez uma afirmação solene:



- Pessoal, enquanto eles não saem da nave, tenho um anuncio a fazer: recebi hoje uma noticia de Yomura-san, de Tóquio. Ele disse-me que a equipa decidiu retirar-se da competição no final da época. O anuncio oficial será feito em Monza, mas ele já me comunicou a mim, em telegrama. Depois dirá pessoalmente a nós todos em Nurburgring, no próximo Grande Prémio. Assim sendo, decidi tomar duas decisões. A primeira é que na temporada de 1970, vou criar a minha equipa. E a segunda, que já é do conhecimento da minha mulher, é de que esse será o meu último ano em competição. E comuniquei isso a Yomura-san. Por causa disso, ele deu-me a mim, de graça, motores Yomura V8 em exclusivo.
- Parabéns, disse Pierre. Mas precisamos de um chassis. Qual vai ser?
- Vamos criar um nosso, ou vamos comprar à McLaren ou à Brabham? – questionou Alex.
- Isso verei logo. Podemos até comprar o chassis da Yomura.
- Que não é o primor da tecnologia, Pete – retorquiu Pierre
- Pois, o Lotus 49 e o Stoddart são o nosso alvo a abater. Podemos ter o melhor motor, mas temos um mau chassis… - lamentou Alex.
- A diferença não é muita, rapazes – disse Pete, no sentido de animar a malta
- Ó Pete, desculpa ser desmancha-prazeres, mas já viste as geringonças aerodinâmicas que andam a meter? – questionou Alex – é que vão começar a fazer diferença.
- Geringonças que começam a ser perigosas. Viste a cara do Reinhardt, em Barcelona? – afirmou Pierre.
- Pois. Nessa, tive sorte. Não corri… Mas já andei com coisas bem esquisitas na Formula 2.
- Ah pois, aviador… - gozou Pierre.

Logo a seguir, o riso geral pairava na sala. Depois, Pete sentou-se, e admirou, como toda a gente naquela noite, o momento da alunagem: Neil Armstrong a descer pelas escadas da Eagle, devagar, como a apalpar o desconhecido, até chegar ao último degrau. Depois deu um salto, pousou os pés no chão poeirento da Lua, e disse as palavras que ecoariam na História: Um pequeno passo para o Homem, um salto gigantesco para a Humanidade”.



Todos começaram a aplaudir. “Bravo, eu não faria melhor”, disse Pierre de Beaufort. “Daqui a 30 anos, estamos a correr na Lua”, respondeu Alexandre Moreira. “Eu não diria tanto”, arrefeceu Pete Aaron. “Primeiro, estabelecemos a colónia lunar, e depois constrói-se um circuito”, concluiu. "Desde que não seja uma das vossas ovais...", replicou Alexandre, entre risos.



Logo depois, todos se levantaram e foram lá para fora. A lua brilhava no Céu, e o seu reflexo iluminava o Lago Leman. Todos em uníssono levantaram os seus copos, e Pete fez o brinde:



- Ao futuro. E à Lua.
- À Lua! – responderam todos.

2 comentários:

maryposa disse...

e afinal, quem morreu????

Pall Mall disse...

Ninguém, ainda. É o primeiro capítulo de uma história. Por agora, goza a Lua...