segunda-feira, 9 de março de 2009

Zé Pinhel, in Memoriam




A semana passada, quando conversava com uma amiga minha da Universidade, soube que um nosso colega em comum tinha-se atirado do sétimo andar há cerca de mês e meio, dois meses. Ele tinha 25 anos de idade, e confesso, em jeito de desabafo, que não fiquei muito surpreendido com tal desfecho.


Conheci o Zé quando entrei na Universidade de Coimbra, em finais de 2001. Desde logo, ficamos amigos, e admirei o seu estilo bem humorado, quase de cómico. Ia muitas vezes à casa dele, que se situava na altura nas traseiras do Cinema Avenida (mais tarde, muita da minha vida universitária andaria por ali, pois outros colegas meus tinham lá casa). Ele tinha uma enorme colecção de CD's de musica, uma TV, um DVD, muitos videos... naquela sala, no meu primeiro ano de Coimbra, ficavamos lá a fumar umas brocas com algum pessoal do curso.


Lembro-me particularmente de uma noite, já um bocado "podres" (fumo + ganza) começamos a fazer um jogo, a tentar adivinhar as bandas musicais pela letra inicial. Caso falhassemos, tinhamos que beber um trago. Sabe-se lá como, consegui não falhar uma, e o pessoal ficava espantado com o meu conhecimento de bandas musicais de vários géneros.


Lembro-me que nessa altura, nós três (eu, ele e o António Bonifácio, o Bonas) gostavamos de ouvir um programa na Antena 3, que dava nessa altura da meia-noite á uma, o Grande Sofá, apresentado pelo Carlos Cardoso, e falavamos sobre as bandas dessa altura. Eu era fã de Tosca, da dupla austriaca Kruder & Dorfmeister, e ele tinha o "Suzuki", que não digo que ouvi vezes sem conta, mas quase. Agora, outro que ouvi vezes sem conta foi Zero 7, do qual também fiquei fã.


Entretanto, no segundo ano, tinhamos uma cadeira, que era dada pelo Prof. Fausto Cruchinho, onde se falava imenso de cinema. Viamos Hitchcock muitas, mas muitas vezes, para vermos os planos do qual nós falavamos: plano geral, plano americano (feito para os westerns, para que se pudesse ver a pistola...) grande plano, entre outros. Ele decidiu fazer, como trabalho para o segundo semestre, uma curta-metragem de quinze ou dezassete minutos, em que se envolveu ele, o Bonas, a namorada dele e uma colega nossa, a Joana Moreira. Eu já estava envolvido noutro grupo, e os contactos eram cada vez mais escassos, pois ele já aparecia pouco nas aulas...


Enfim, no final do ano, apresentou o filme, onde meteu todos os planos dados nas aulas, e retirou dali uma história convincente. Ele e o Bonifácio tiveram no final nota máxima.Alguns meses depois, soube que o Zé tinha sido internado. Fiquei um pouco espantado quando soube da noticia, mas depois disseram-me que lhe tinham diagnosticado esquizofernia, e que tinha tido uma crise em pleno edificio da Associação. Internaram-no no Sobral Cid por uns tempos, e depois só o vi mais uma vez, no inicio de 2004. Tinhamos tido uma conversa, e falava que queria fazer um curso de fotografia em Lisboa. E a partir dali, nunca mais o vi ou ouvi falar sobre ele, até Dezembro do ano passado.


Nessa altura, num jantar de Natal com ex-colegas meus, uma delas me falou que tinha sabido sobre o José. Contou-me da publicação de dois livros dele por parte da Câmara de Pinhel, e que tinha assinado com o pseudónimo de jota esse. Um é um livro de poemas, "Sobre o Amor e Outros Poemas", e outro de seu nome "Dictonomia". Ao pesquisar no Youtube, fiquei espantado por saber que existem dois videos, onde ele explica o significado de ambos os livros. Para além disso, descobri também outro video, onde mostra as suas fotografias, todas pela editora que publicou os seus dois livros.


A sensação que fiquei, quando ouvi as suas reflexões, notei que tinha a vontade de colocar em papel as suas expressões, medos, e loucuras de uma vida intensa. Quando explicou a razão pelo qual escreveu este último livro, diz este seguinte excerto: "O tema e origem de Dictonomia surgem numa altura em que vivia a vida muito intensamente, e em cada pequena coisa me falava e me levava a passar a papel a minha visão empirica das coisas simples."


Outro excerto, no video acerca do primeiro livro, fala sobre o pseudónimo que escolheu, e explica o seu significado: "O pseudónimo jota esse tem um duplo significado. Para além de serem as iniciais do meu nome, José Sousa, iotaesse significa em latim, 'ser um quase nada', pois eu acredito, pela minha formação cristã, que valho pouco, pela minha condição efémera, própria do ser humano"


Acho que ambos os excertos resumem muita coisa daquilo que ele era e como vivia a sua vida, daquilo que observei nos dois anos e pouco que convivemos juntos: um homem que quis viver tudo de forma intensa, em todos os sentidos, sabendo da sua fragilidade e da sua finitudade como ser humano, e que o tempo que nos foi concedido tem de ser aproveitado da melhor maneira possivel.



Pode-se dizer no final de tudo que, à sua maneira, conseguiu o seu objectivo, e provavelmente nestes 25 anos e meio que durou a sua existência, conseguiu aquilo que muitos de nós eventualmente não alcançarão com o triplo do tempo que nos foi concedido pelo Criador. Ars lunga, vita brevis, Zé!

1 comentário:

Vera Santos disse...

Ahhh Beijocas
as tuas palavras são uma bela homenagem a esse "génio" que não permitiu que a genialidade fosse mais longa debaixo da linha do horizonte.

E querido Paulinho, é bom conhecer-te e saber que tu também, és um "marco histórico" nesta vida...

Beijo grande para ti meu cronista beijoqueiro de quem tenho mt saudades